domingo, 27 de dezembro de 2015

A bicicleta do casamento (ou Como o triciclo do meu filho me ensinou a verdade sobre a vida à dois)


Num acampamento de carnaval que participamos com nossa igreja em São Paulo, havia um laguinho com um pedalinho em formato de ganso. Durante um dos nossos momentos de tempo livre, nos quais era praticamente impossível ficarmos parados batendo papo com os amigos por conta da bênção chamada filho, decidimos dar uma volta perto do lago para mostrarmos a ele o cavalo, os patinhos e darmos uma volta naquele pedalinho. Sentamos no brinquedo, eu e meu marido com nosso filho de 13 meses no meio, e começamos a pedalar, cada um do seu lado. Foi um esforço danado, porque o pedalinho estava velho, enferrujado e caindo aos pedaços. Nosso senso de aventura, no entanto, foi maior do que o bom senso. Não é de se espantar, então, que, ao chegarmos ao meio do laguinho, percebemos que estava entrando água. Minha primeira reação, como mãe de bebê e pecadora ansiosa que sou, foi de começar a surtar e gritar, "Vamos afundar!" (insira aqui imagem dos discípulos de Jesus no barco prestes a afundar no meio da tempestade). Estava cada vez mais difícil de pedalar e sair do lugar. E a água entrava sorrateiramente. Meu marido calmamente me ordenou que ficasse quieta e que íamos pedalar à margem sem fazer mais escândalo para não assustar o nosso filho. Qualquer coisa, ele pularia na água e nos empurraria para a margem. Mordi então minha língua e calei minha boca em submissão. Sabia que meu marido estava me dando uma ordem por amor a mim e por amor ao meu filho. Partimos juntos ao trabalho. Ele pedalava do seu lado e eu pedalava do meu. Juntos, conseguimos chegar mais próximos da margem. Por conta do peso crescente do pedalinho enchendo de água, no entanto, não conseguíamos mais sair do lugar. Meu marido então pulou no lago (que já estava mais raso a essa altura) e empurrou o pedalinho enquanto eu pedalava o quanto ainda podia sozinha. Foi um esforço danado, mas conseguimos desembarcar sem mais estresse. Voltamos ao acampamento pingando de suor e baforados, com um bebê muito sorridente no colo.
Amor e submissão. O que nos vêm à mente quando ouvimos essas palavras tão aparentemente incompatíveis? A submissão é um conceito atualmente ridicularizado e polemizado ao ponto de contar com a oposição de militantes supostamente cristãos. A nossa sociedade idolatra o conceito (um tanto distorcido) do amor, mas rejeita ferozmente qualquer coisa que implique em aceitar ordem de outra pessoa.
Deus nos chama para amarmos uns aos outros. Mas Ele também nos chama para sermos submissos uns aos outros. E sinceramente, Ele não está nem aí para o politicamente correto. Seus mandamentos não se adaptam e somem com avanços culturais. Parece ser uma ideia radical, quase suicida, não é? Afinal, quem nos garante que nossos interesses e desejos serão preservados e honrados se abrirmos mão da liberdade que tanto amamos na nossa vida moderna? Se nós não cuidarmos de nós mesmos, ninguém mais cuidará! Essa é a ideia tão bem difundida na nossa sociedade.

Cuide do teu que eu cuido do meu.
Sou livre pra fazer o que quero.
Você não manda em mim!
Eu faço o que quero e digo o que quero!
Eu tenho meus direitos!
Meu corpo! Minhas regras!

Cristo submeteu-se.
É difícil encontrar alguém que discorde que Cristo nos trouxe lições muito preciosas. Não acreditam que ele seja o Homem-Deus que morreu para salvar-nos dos nossos pecados. Mas dificilmente alguém discutiria se de fato ele foi um bom exemplo de vida. Qual seria então a maior lição desse sábio mestre? O amor pelos outros, sem dúvida! Certamente, como pecadores salvos por Jesus, sabemos que foi o amor sacrificial dele que o levou à cruz e nos uniu a Ele através da sua morte e ressurreição. Sem dúvida, ele nos ensinou a amarmos aos outros como a nós mesmos e amarmos a Deus sobre todas as coisas. Sem dúvida, seu amor sacrifical cobriu nossas transgressões e nos permitiu acesso ao Pai. Tudo isso é bom e verdadeiro.
No entanto, fazemos pouco caso de um detalhe importantíssimo na trajetória do nosso Salvador. Você se lembra dos eventos dos últimos dias de Cristo? Em meio às suas demonstrações de amor aos seus amados e os preparos para sua hora final, a Bíblia nos dá uma espiada no relacionamento do Filho e o Pai.

Indo um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”. (Mateus 26.39)

O Filho de Deus ofereceu-se como sacrifício pelos nossos pecados por amor a nós. No entanto, vemos por um breve momento que Cristo revela o seu desejo profundo de resolver o problema de outra forma: "...afasta de mim este cálice... contudo, não seja como eu quero...". O plano de salvação foi tanto maravilhoso para nós quanto aterrorizante para o Salvador. O Filho de Deus estava para sofrer a terrível ira de um Deus Santo provocada por milhares de anos de milhares de pecados de milhares de pecadores no passado, no presente e no futuro. Talvez seja difícil nós imaginarmos a verdadeira face da ira de Deus Pai. No entanto, Cristo o conhecia intimamente e sabia muito bem o que lhe aguardava. Tamanho terror diante dos eventos que estavam por vir não nos caberia no peito. Cristo suou sangue. E ele clamou a Deus.
Não consigo imaginá-lo gritando nessa hora em protesto: "Meu corpo! Minhas regras!"
Não... Enfrentando o maior terror que qualquer ser humano já sofreu, nosso Salvador sussurrou, prostrado diante do Pai: "...contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”.
Se você é salvo, você foi salvo não somente pelo amor sacrificial de Cristo, mas pela submissão de Cristo à vontade do Pai.

A bicicleta do casamento

Fomos criados na imagem e semelhança de Deus. Isso significa que fomos projetados para relacionarmo-nos como Deus se relaciona. A equação da química dos nossos relacionamentos, portanto, apenas podem ser balanceadas ao imitarmos a Cristo na sua demonstração irrevocável, única e perfeita de amor e submissão.
O amor e a submissão são dois lados da mesma moeda. Assim é o relacionamento misterioso e maravilhoso de Deus na Sua perfeita e completa Trindade. O Espírito submete-se ao Filho que o ama e que se submete ao Pai que o ama. Assim é o relacionamento redentor de Cristo e sua Noiva, a Igreja. A Igreja deve se submeter a Cristo que a ama. E assim, deve ser o relacionamento entre homem e mulher no relacionamento-espelho que Deus, na sua imensa sabedoria e misericórdia, nos concedeu nesta vida terrena: o casamento.
A glória do casamento é a glória de Cristo e sua Igreja. Portanto, não devemos nos espantar ao vermos o inimigo investindo pesado na distorção e na destruição das famílias. A confusão começou já no Jardim do Éden quando a serpente incitou Eva a desobedecer a Deus e a subverter a liderança de Adão, que, por sua vez, deixou de lado o amor sacrificial ao permitir-se ser manipulado pela esposa insubmissa e virar cúmplice na desobediência.. para a desgraça dos seus descendentes.
Desde então, vivemos a novela dos casamentos precipitados, dos casamentos infelizes, dos divórcios, das traições e da consequente desvalorização gradual e fatal do casamento. No entanto, no meio de toda escuridão e perversidade, vemos o brilho de alguns casamentos que parecem crescer, florescer e amadurecer em meio a todos os problemas. Como será que conseguem? Será que o segredo está na comunicação? Nas viagens a dois? No sucesso dos filhos? É claro que não.
O casamento pode e deve "dar certo" porque Deus o projetou para dar certo. O casamento é como uma bicicleta. Se você não sabe andar de bicicleta e não consegue tirá-la do lugar, o problema não é da bicicleta. O problema é você. Se você não gosta de andar de bicicleta, o problema não é a bicicleta. O problema é você. Se você quer apenas sentar na bicicleta e ficar parado olhando a vida passar ao seu redor, o problema não é a bicicleta. O problema simplesmente é você!
E o seu problema é o pecado, algo que, como vimos no Jardim do Éden, nos impele a rebelar contra Deus e contra toda a Sua criação, inclusive o casamento. Quando Cristo nos redimiu e nos libertou do poder do pecado, ele nos capacitou para aprendermos novamente a andarmos na bicicleta do casamento.
Como qualquer bicicleta, o casamento possui dois pedais, ou dois pontos de impulsão. Vamos chamar esses dois pedais de Amor e Submissão, respectivamente.
O Amor é um amor sacrificial que abre mão de si e busca sempre o bem do amado. E a Submissão vai muito além da simples obediência e respeito, pois ela é uma resposta prazerosa ao amor que nos é dado e abençoa a todos no lar pela sua serenidade. Já pela definição, podemos ver que é muito mais fácil submetermo-nos a um marido que nos ama verdadeiramente. E é mais fácil de entender a tamanha responsabilidade do marido como líder, pois idealmente, ele dará o início ao ciclo com o seu amor, assim como Cristo nos amou primeiro.
Meu marido e eu, como uma só carne, estamos andando nessa bicicleta juntos. Ele é a perna direita e eu a esquerda. Ele é responsável por impulsionar o pedal de Amor e eu, o pedal da Submissão. Você já tentou andar de bicicleta pedalando apenas de um lado? Às vezes uma das nossas pernas está machucada ou cansada e precisamos focar mais energia na outra se formos sair do lugar.
Espero que seja óbvio para você a essa altura que não há pedal mais importante que o outro (ao contrário do que o machismo e o feminismo declaram). Quando eu deixo de ser submissa ao meu marido, ele, por ser cristão e um marido dedicado, continua a pedalar no Amor. No entanto, ele precisa se esforçar muito mais para fazer a bicicleta sair do lugar. Eventualmente, se eu não me arrepender e retomar meu papel, a energia do meu marido será totalmente exaurida. O nosso corpo por inteiro (ou seja, o casamento) estará desgastado. Precisaremos parar para descansar. Demoraremos o dobro do tempo para chegar onde queremos chegar. O contrário também é verdade. Se meu marido, um dia decidir não me amar mais (e já está implícito aqui que o amor é prático e não hipocritamente teórico) ou se ele simplesmente fizer alguma coisa faltando-lhe amor para comigo, eu terei o dobro do trabalho para pedalar na Submissão.
E se o marido faltar no amor para com a esposa e a esposa na indignação recusar-se a submeter-se a ele? Isso é uma história até clichê hoje em dia, não é? Os dois pararam de pedalar e, obviamente, a bicicleta não vai sair do lugar nem tão cedo. Pelo menos, não até que se reestabeleça a harmonia e voltem a pedalar juntos. Mas muitas vezes vemos uma bicicleta parada por muito, muito tempo. E a triste razão na maioria dos casos é que não há mais quem a pedale, pois ela foi abandonada.


Essa é a triste realidade que vemos hoje. O que dizer então de casamentos entre cristãos e não cristãos? Poderá essa bicicleta andar? A própria Bíblia nos responde essa pergunta: "E se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em habitar com ela, não o deixe. Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo marido; de outra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos." (1 Coríntios 7.13,14) Sim, a bicicleta poderá andar. Será uma viagem tremendamente difícil e cansativa. Mas Deus capacita e fortalece quem pedala fielmente e sozinho. E é pelo esforço suado e dobrado da esposa ou do marido cristão que Deus abençoará o seu cônjuge e a sua família.

Um triciclo e a graça de Deus


O outro dia, meu marido comprou um triciclo para nosso filho, agora com quase dois anos de idade. Meu filho, amante de carros e de tudo que possui roda, não demorou em sentar no triciclo. O seu pai pôs seus pequenos pés nos pedais de plástico e falou, "Empurre, filho!" Mas o pequeno nunca havia andado de bicicleta antes e não tinha a mínima ideia como fazer aquele trambolho sair do lugar. Jogava o corpo pra frente e empurrava o chão pra trás. Passamos a ensiná-lo pouco a pouco como empurrar cada pedal com seus pés e que essa ação trazia movimento ao brinquedo. Ele ainda não aprendeu e muitas vezes se contenta em apenas sentar e observar o mundo ao seu redor, mas creio que aprenderá eventualmente no seu devido tempo. Seu pai precisará ajudá-lo bastante ainda. Sua primeira bicicleta terá rodinhas auxiliares e o seu pai estará empurrando e ajudando-o a manter o equilíbrio.
E um dia, ele aprenderá a andar independentemente e seu pai não precisará mais estar lá ao lado dele para evitar que ele caia. E minha oração é que ele aprenda conosco o seu papel como futuro marido, se for da vontade de Deus, aprendendo a amar sacrificialmente a sua futura esposa. Mas o seu aprendizado verdadeiro virá de Deus. Deus é o nosso Pai. Ele nos ensina diariamente a amar às nossas esposas e a nos submeter aos nossos maridos. Ele nos empurra, nos sustenta, nos dá equilíbrio e renova nossas forças diariamente. Mas ao contrário do nosso pai terreno que um dia cessará de correr atrás da gente ao cambalearmos no brinquedo de duas rodas, Deus nunca se ausentará do nosso casamento. É através da Sua graça e somente ela que nosso esforço não será em vão. Poderá parecer um dia que Ele precise apenas nos dar o equilíbrio necessário para nos mantermos na bicicleta. Poderá vir dias em que estaremos tão habilidosos que nem perceberemos mais nossos pés pedalarem e estaremos apenas sentindo a brisa deliciosa no rosto e contemplando a paisagem ao nosso redor. Mas Deus nunca estará ausente. E Ele nos dará forças nos dias de tempestade em que o vento sopra fortemente tentando nos derrubar.

Há muitos filhos que saem de casa sem nunca terem aprendido a andar de bicicleta. E sem dúvida mais ainda que saem de casa sem terem a mínima ideia de como funciona o casamento verdadeiro. Talvez seus pais, mesmo sendo cristãos, nunca se importaram em ensinar. Ou não sabiam como ensinar. Talvez seus pais nem sequer sabiam o que estavam fazendo. Talvez seus pais passavam mais tempo discutindo quem ia pedalar sozinho dessa vez do que fazendo qualquer esforço para sair do lugar. Talvez a bicicleta do casamento dos seus pais estava abandonada há muito tempo e os filhos puderam apenas contemplar de longe sem nunca vê-la voar velozmente na pista ou ouvir o prazeroso zunido das engrenagens funcionando como foram feitos para funcionar. Qualquer que seja a razão, o fato é que o responsáveis pela educação dos filhos não cumpriram um dos seus papéis essenciais.
Se você vem de uma família assim e já está casado e desanimado, queria que soubesse que há esperança. Há muitos que aprenderam a andar de bicicleta literalmente mais velhos depois de uma vida de insegurança. Há também quem aprendeu a andar na bicicleta do casamento até mesmo depois de décadas de um casamento infeliz. Nunca é tarde para aprender, nem que seja apenas você sozinho por enquanto. A bicicleta andará. E, quem sabe, pela graça de Deus, seu cônjuge aprenderá também. Porque pela graça de Deus, o casamento não é ser um velho, enferrujado e esburacado pedalinho. Ele foi feito para funcionar.
O objetivo desse texto não foi de ensinar o passo a passo de como amar e como se submeter. Acredito que há muitos recursos fantásticos, sem contar a própria Bíblia, que nos ajuda nessa área. Mas eu creio que se tivermos o desejo verdadeiro inspirado pelo Espírito Santo nos nossos corações, isso será o suficiente para corrermos atrás e aprendermos tudo que podemos sobre aquilo que o próprio Deus criou e nos deu como uma fonte de prazer e sabedoria. E Deus não recusará aos Seus filhos a Sua graça.

Parece-me que nosso Senhor encontra nossos desejos não muito fortes, mas muito fracos. Somos criaturas indiferentes, que brincam com bebidas, sexo e ambição, enquanto o gozo infinito nos é oferecido; como uma criança ignorante que deseja continuar brincando na lama em uma favela, porque não imagina o que significa o oferecimento de um feriado na praia. Nos satisfazemos com coisas pequenas demais. — C. S. Lewis

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Livra-se do peso da calúnia

Recebi esse artigo um belo dia de manhã através do e-mail diário da DesiringGod.org e achei que valeria a pena traduzir para o proveito dos irmãos e irmãs em Cristo. Traduzi e solicitei permissão de DesiringGod.org para a publicação virtual da minha tradução desse texto, entretanto, sem obter resposta. Posto-a aqui, então, enfatizando a natureza não-profissional da tradução e que seja feito apenas uso pessoal do artigo traduzido. Crédito ao autor Jon Bloom e à DesiringGod.org, onde estão disponíveis gratuitamente centenas de artigos incríveis, frutos de imensa sabedoria, (inclusive vários em português) para a aprendizagem e o crescimento espiritual do público cristão. O texto original "Lay Aside the Weight of Slander" encontra-se disponível aqui. Bom proveito e que Deus abra nossos olhos para esse pecado tão destrutivo nas nossas igrejas.


Escrito por Jon Bloom



Deus odeia a calúnia (Provérbios 6.16,19). É perverso. É por isso que Paulo lista a calúnia como comportamento daqueles que odeiam a Deus (Romanos 1.30) e porque Tiago chama de comportamento demoníaco (Tiago 3.15-16). A calúnia ocorre quando alguém diz algo que não seja verdadeiro sobre outra pessoa o que resulta, intencional ou não intencionalmente, no estrago da reputação da outra pessoa. Quando isso acontece, a calúnia transforma-se num fardo de divisão, desencorajamento e confusão que afeta várias, se não inúmeras, pessoas.

Por causa do seu poder venenoso, é uma das estratégias principais do adversário para destruir relacionamentos, e deter e derrubar a missão da Igreja. Devemos estar atentos a esse tipo de pecado contagioso e livrarmo-nos dele (Hebreus 12.1).


A sutileza da calúnia

Às vezes, falar algo falso e prejudicial sobre alguém é ousado e indelicado. No entanto, muitas vezes, a calúnia é insidiosamente sutil, especialmente porque a ouvimos durante toda a nossa vida em quase todos os contextos e tornamo-nos acostumados a ela.

A calúnia pode usar dezenas de máscaras. Mencionarei algumas das mais comuns.

Às vezes passamos informações caluniosas que parecem apenas boatos inofensivos, mas acabamos por deixar os nossos ouvintes com uma percepção injustamente negativa do outro. Às vezes embelezamos o boato com informações ou suavizamos um relatório negativo sobre alguém, a fim de melhorar a impressão que nosso ouvinte tem de nós mesmos.

Às vezes, nós temos uma preocupação muito real por alguém, mas compartilhamos isso com uma pessoa que não pode nem se beneficiar de ou ajudar com a preocupação. Fazemos isso porque nós simplesmente queremos que nossos ouvintes pensem o pior de uma pessoa em particular. Ou, se compartilhamos a informação com a pessoa certa, podemos às vezes dar corda às nossas especulações ou presunções, misturando-os quase imperceptivelmente com os fatos perante nossos ouvintes, distorcendo a verdadeira preocupação para que a reação resultante seja aquilo que nós desejamos.

O efeito líquido de todas as formas de calúnia é a desvalorização injusta da reputação de outra pessoa.


Caluniar é roubar

Essa desvalorização está no cerne do que torna a calúnia perversa. A Bíblia nos diz: "A boa reputação vale mais que grandes riquezas; desfrutar de boa estima vale mais que prata e ouro" (Provérbios 22.1). No contexto, a boa reputação representa o caráter da pessoa, que é a parte mais valiosa da sua identidade. Uma boa reputação é como os outros nos veem. E como relacionamentos funcionam na base da troca da moeda de confiança, a reputação é um bem muito precioso.

Portanto, sempre que lidamos com a reputação de uma pessoa — ou seja, como as outras pessoas a veem — estamos sendo mordomos de um tesouro que pertence a eles. Se nós prejudicarmos a reputação de outra pessoa injustamente, estamos roubando o seu bom nome; estamos vandalizando o seu caráter. Isso causa um estrago muito real e, muitas vezes, duradouro às pessoas, pois restaurar um nome desvalorizado é muito difícil. Quem saberá quanto amor, alegria, conselho, conforto e oportunidade que tomamos das pessoas ao descuidarmos da sua reputação?

Deus sabe. E Ele odeia isso. Deus odeia quando falamos mal do Seu nome (Êxodo 20.7) e quando falamos mal dos outros (Tito 3.2). Ele nos responsabilizará por toda palavra frívola que falarmos (Mateus 12.36). Este é o grande incentivo para livrarmo-nos "de toda maldade e de todo engano, hipocrisia, inveja e toda espécie de maledicência"(1 Pedro 2.1).


Lute contra a calúnia primeiramente em si mesmo

A primeira calúnia que devemos calar é aquela que se encontra dentro de nós. Cheio de orgulho maligno, nossa natureza pecaminosa não está interessada na verdade, mas na glória própria. Procura então manipular os outros através da calúnia (ou da bajulação) para o nosso próprio benefício egoísta. O pecado (e, assim, nossos molestadores demoníacos) se aproveita de uma preocupação ou uma ofensa que recebemos de outro e procura distorcê-la de forma que suspeitemos o mal dessa pessoa. Suspeitar mal de outro significa atribuir a ele qualidades imaginadas ou exageradamente negativas que não existem. Muitas vezes, isso começa com fantasias privadas as quais alimentamos com nossas preocupações e as ofensas, imaginando-nos justificados em nossa justiça e os outros condenados no seu mal. Mas, na verdade, estamos apenas repassando os nossos pensamentos perversos para as imaginações de outras pessoas. Isso é a nossa natureza pecaminosa falando. Somos tolos se dermos ouvidos a ela.

E quando a nossa calúnia transborda de nós para os outros — e isso acontecerá inevitavelmente se não a eliminarmos o quanto antes — ela será indulgência egoísta e covardia.

Calúnia é indulgência, pois muitas vezes o que realmente estamos buscando é o prazeroso som auto-bajulador dos nossos ouvintes aprovando ou admirando a nós mais do que àquele que estamos caluniando. Estamos roubando a reputação de outro para obtermos a droga da auto-bajulação. 

Calúnia é covardia, pois é uma forma de nutrir uma preocupação ou uma ofensa e ganhar simpatizantes sem criar coragem para levá-la diretamente à fonte. Nossas racionalizações para isso podem ser inúmeras, mas essencialmente não temos a coragem para lidar de vez com o assunto. Isso significa que o nosso próprio caráter é de natureza questionável, já que estamos dispostos a vandalizar o caráter de outros para ganhar aliados.

Nós devemos ser implacáveis em ignorar e silenciar nossas naturezas pecaminosas caluniadoras.


Ajudando uns aos outros na luta contra a calúnia

Quando alguém calunia outra pessoa diante de nós, devemos lembrar que não estamos lutando principalmente contra carne e sangue, mas contra forças espirituais do mal (Efésios 6.12). Satanás sabe que a calúnia enfraquece e divide igrejas, envenena amizades e fratura famílias. Ele sabe que a calúnia extingue o Espírito Santo, mata o amor, dá curto-circuito na renovação espiritual, mina a confiança e suga a coragem dos Santos. Portanto, nossa meta, particularmente no contexto da igreja, é ajudar uns aos outros lançar fora fardos demoníacos e driblar obstáculos satânicos.

Como então fazemos isso? A melhor forma de combater a calúnia é tornar-se uma pessoa que não seguro caluniar por perto. Devemos perguntar uns aos outros:
  • Você compartilhou essa sua preocupação diretamente com a pessoa? Eu estaria disposto a ir com você para falar com ela.
  • Só para esclarecer, eu deveria realmente saber dessa informação? Você quer que eu te ajude a buscar a reconciliação?
  • Você está fazendo tudo que for possível para livrar-se de "toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia"? (Efésios 4.31)
  • Como posso ajudá-lo a proteger a reputação dessa pessoa como um tesouro? (Provérbios 21.1)
Em outras palavras, amigos não deixam amigos caluniar. Amigos não permitem que seus amigos ajam como inimigos de Deus (Romanos 1.30). Quanto mais amamos as pessoas, mais odiamos calúnia, porque um caluniador odeia suas vítimas (Provérbios 26.28).

Lembremo-nos de que somos mordomos do tesouro do outro: o seu bom nome. Tomemos a decisão de evitar o compartilhamento de informações que são desnecessariamente prejudiciais à reputação de outra pessoa e a arrepender-nos a todos os que foram afetados se já somos culpados disso. Busquemos silenciar a nossa natureza pecaminosa caluniadora e graciosamente dar e receber ajuda de outras pessoas quando um de nós tropeça, talvez inconscientemente, na calúnia. Façamos dano às forças de Satanás, falando a verdade em amor (Efésios 4.15).

Deixemos de lado o destrutivo peso do pecado da calúnia.


Uma palavra sobre calúnia e situações abusivas

Há momentos em que é necessário e não calunioso discutir ou compartilhar informações que sejam prejudiciais para a reputação de uma pessoa. Lembre-se, a calúnia são informações prejudiciais falsas. Mas, por vezes, verdadeiros pecados de uma pessoa são de tal natureza que devem se tornar públicos por uma questão de justiça e de segurança individual. Aqui estão apenas alguns exemplos de cenários:
  • Comunicando a existência de pecado e abuso confirmado e documentado a pessoas apropriadas em posições de autoridade que podem fazer algo sobre isso.
  • Participar como uma pessoa adequada em autoridade espiritual, e em alguns casos civis, na investigação de tal relatório de algum comportamento pecaminoso, e talvez abusivo, com a intenção de confrontar essa pessoa ou limpar o seu bom nome.
  • Discretamente, e sem detalhes desnecessários, informando a outros sobre uma pessoa com comportamento pecaminoso ou abusivo confirmado, porque, sem esse conhecimento, alguém pode sofrer dano real.
  • Buscando conselho pastoral sobre como navegar em uma situação complexa e ambígua, fazendo tudo o que você pode fazer para proteger a reputação de uma pessoa de danos desnecessários.
As instruções de Jesus em Mateus 18.15-17 deve nos guiar em tais casos difíceis. E Jesus espera que nos comportemos prudentemente neles, sempre buscando preservar a reputação dos outros, tanto quanto possível, sabendo que fofocas e difamação são sempre tentações que esperam às nossas portas.

Em uma era de mídia social, que não consegue restringir a divulgação de informações como as eras passadas, sejamos ainda mais lentos para postar ("tardio para falar" — Tiago 1.19) análises, especulações e comentários potencialmente caluniadores sobre outras pessoas ou grupos de pessoas, mesmo que a calúnia seja feita abertamente na nossa cultura saturada de calúnia. Todas as sérias advertências bíblicas sobre calúnia ainda se aplicam, o que deve fazer todos nós, especialmente aqueles de nós com "plataformas", tremer.